13/05/2009

A travessia do Mar Vermelho com os Adverts


I wonder what we'll play for you tonight
Something heavy or something light
Something to set your soul alight
I wonder how we'll answer when you say
"We don't like you - go away,
come back when you've learned to play

I wonder what we'll do when things go wrong
When we're half-way though our favourite song
We look up and the audience has gone
Will we feel a little bit obscure
Think 'We're not needed here,
we must be new wave - they'll like us next year'

The wonders don't care - we don't give a damn
The wonders don't care - we don't give a damn
The wonders don't care - we don't give a damn

Os versos acima são de One Chord Wonders, primeira música lançada pelo ADVERTS, uma das bandas pioneiras da cena punk inglesa de 76-77. A história desse grupo, que considero um dos mais originais (até hoje não ouvi nenhuma banda parecida), começa em 1974, em Torquay, uma pequena cidade litorânea da região sul da Inglaterra, onde Tim Smith era vocalista do Sleaze, uma obscura banda de rock que não saiu dos pubs locais. Nessa época, Tim conheceu uma garota que tinha o apelido de Gaye Black. Os dois se tornaram amigos e ele a ensinou a tocar baixo. No verão de 75 o Sleaze acabou e a dupla resolveu fazer as malas e mudar-se para Londres com a firme intenção de montar uma banda.
Mesmo sem encontrar os demais membros escolheram o nome: primeiro seriam os One Chord Wonders, depois, num bate papo, surgiu The Adverts, nome que ficou. Além de comporem algumas músicas, a dupla tornou-se frequentadora assídua de shows do Stranglers e dos Pistols. Então resolveram anunciar no Melody Maker que precisavam de "um guitarrista especial que não fosse especial". Um tal Howard Boak respondeu ao anúncio e foi aprovado. No entanto, acabou por adotar outro apelido: Howard Pickup ("boak" é uma expressão do norte da Inglaterra para vômito, mas era difícil explicar isso). Ao mesmo tempo Tim resolveu criar um nome mais artístico: juntou o Smith, nome mais popular da Inglaterra, com o do eletrodoméstico mais comum do país e tornou-se TV Smith. Howard foi o responsável por levar a banda a ensaiar em um estúdio (até então, Tim só sabia o que era ensaio em garagens e quartos de amigos, com aparelhagens tranqueiras).
O quarto elemento foi Laurie Muscat, indicado por John Towe, baterista do Generation X (que também esteve no Chelsea), que ensaiava no mesmo estúdio e também era companheiro de trabalho de Howard em uma loja de discos. Desesperados por um baterista, eles admitiram Laurie mesmo sem ouvi-lo. Logo no primeiro ensaio descobriram que ele não sabia tocar porra nenhuma e pediram a Towe para passar uma noção a ele. "Ele era totalmente sem talento, então obviamente era a pessoa ideal para a banda", conta TV em uma entevista à revista Goldmine, em 1997. O batera adotou o apelido de Laurie Driver e não demorou a a aprender o básico. Ainda em 76 gravaram uma demo tape com cinco músicas e em pouco tempo estavam prontos para encarar um palco.
Em 15 de janeiro de 77 o Adverts fez sua estréia como banda de abertura para o Generation X no lendário Roxy Club (claro que o amigo John Towe foi importante para conseguirem a "boquinha"). Logode cara chamaram a atenção por terem uma mulher como baixista, o que era incomum no então ainda mais machista mundo do rock'n'roll. E ainda por cima era bonitinha. Tornaram-se quase que uma banda residente do Roxy - com uma dezena de shows em cerca de três meses - e logo conseguiram lançar o primeiro single, pela Stiff Records (da qual já falei em post anterior). O compacto chamou a atenção não só pelo som, mas também pela capa, com o rosto de Gaye em super close. Apesar de ser considerada uma das melhores capas de discos punks por muita gente (inclusive o próprio TV Smith hoje admite tratar-se de um clássico), na época a banda torceu o nariz. Primeiro, a própria Gaye ficou chateada, pois tinha verdadeira aversão por estrelismos. Considerava-se integrante do grupo e que todos os quatro Adverts tinham a mesma importância. Ela tinha consciência de que estava naquela capa apenas por uma questão sexista e não buscava tal exposição, queria apenas ser "música", não musa. Depois, a banda como um todo não gostou pois tinham feito uma sessão de fotos para aquela capa e jamais imaginariam que um só deles estamparia a "mardita". Para promover o single, fizeram uma tour patrocinada pela Stiff, ao lado do Damned. Mas o vínculo com a Stiff estava comprometido, tanto pela controversa capa como pelo fato de o selo estar centrado no Damned. Como já tinham um empresário, Michael Dempsey (figura lendária do underground londrino, falecido em 1981), não demoraram a conseguir um contrato com um selo maior, a hoje extinta Anchor Records, que tinha ligações com a norte-americana ABC Records, do grupo Paramount (a escolha pelo selo levou em conta uma possível divulgação nos EUA, claro). Antes de lançarem o segundo single foram convidados para uma Peel Session. Isso com menos de seis meses de existência.
Em agosto de 77, saiu o segundo compacto com Gary Gilmore's Eye e Bored Teenagers, dois dos maiores clássicos do Adverts, que chegou ao 18º posto na parada de singles ingleses. O êxito ajudou o grupo a ser indicado para abrir uma série de shows de Iggy Pop em sua tour pelo Reino Unido. Um sonho para Gaye, fan declarada do agora "vovô do punk". Dois meses depois da tour, em novembro, lançaram Safety in Numbers/We Who Wait, sem a mesma repercursão do single anterior.
Depois de quase um ano tocando direto e os três singles reconhecidamente entre os melhores de 77, estava na hora do álbum. Para a gravação escolheram nada menos que o consagrado estúdio Abbey Road. Antes do LP, porém, lançaram mais um single com No Time To Be 21 e New Day Dawning. Em fevereiro de 78 finalmente foi lançado o clássico Crossing the Red Sea with The Adverts. Adquiri este disco por volta de 81 e devo tê-lo ouvido umas 200 vezes em uma semana. Até hoje sinto algo diferente quando roda New Church, On the Roof, Bombsite Boys, Great British Mistake, On Wheels...
Após o lançamento do LP, shows, shows e mais shows. Como até então praticamente não haviam saído de Londres, iniciaram uma tour continental. No entanto, antes mesmo de completarem o giro pela Irlanda, Laurie foi atacado por uma hepatite e a excursão teve de ser interrompida. Fora de combate, o baterista foi substituído por... John Towe, que já não estava mais no Gen X. Mas o novo integrante não se adaptou e deixou o "cargo" após poucas apresentações. As baquetas passaram então para Rod Latter, ex-The Rings (tocou no The Maniacs também).
Depois da excursão pela Europa, os desentendimentos com a Anchor Records começaram. A banda e Dempsey (o empresário) queriam tentar o mercado dos EUA, mas a ABC não acreditava no potencial das bandas punks inglesas e não quis lançar o LP, apesar de muitas cópias terem atravessado o Atlântico, nem investir em uma tournê. Assim, deixaram o selo e assinaram com a RCA. O primeiro single pela nova gravadora, lançado em novembro de 78, foi o excelente Television's Over/Back From the Dead. A produção ficou a cargo de Tom Newman, o mesmo do chatíssimo Tubular Bells de Mike Oldfield. Back... também marcou o inicio de uma parceria entre TV Smith e o tecladista Richard Strange, do Doctors of Madness, banda hoje classificada como "proto-punk". Parecia o prenúncio de uma grande trabalho. O grupo gastou praticamente oito meses para conceber o segundo LP. Nesse meio tempo, o tecladista Tim Cross, que também trabalhara com Mike Oldfield entrou para o grupo. E só há uma palavra para definir Cast of Thousands: decepcionante. O disco não tem nada a ver com o primeiro. Sem energia, sem pegada e musicalmente pretencioso, mas claramente sem inspiração. Eles não precisavam gravar outro Red Sea, nem ter feito outro disco punk, mas também não precisavam fazer algo tão fraco. Ignorado pelo público e pela mídia, o fracasso iniciou o fim ao grupo que também já estava dilacerado. Após aguns shows como quinteto, Howard Pickup simplesmente desapareceu e o Adverts ficou sem guitarrista. Em seu lugar entrou Paul Martinez. Depois, Latter também abandonou o barco e o irmão de Paul, Rick, ficou em seu lugar. Ainda gravaram uma Peel Session, a quarta, em outubro de 79. Mas sem público, castigados pela mídia e ignorados pela RCA, fizeram a última aprsentação em 27 de outubro de 79, no Slough College. Howard Pickup morreu de câncer no cérebro, em 11 de julho de 1997.

Baixe aqui Crossing the Red Sea With The Adverts e aqui o Singles Collection


ADVERTS FACTS
  • O Sleaze, a primeira banda de TV Smith, chegou a gravar um LP por conta própria, do qual foram prensadas apenas 50 cópias, distribuídas para amigos e familiares. Uma das músicas deste disco, Listen don't think, foi reformulada pelo Adverts e rebatizada como New Boys.
  • Gary Gilmore's Eyes foi baseada em uma das mais tétricas histórias da época. Gilmore era um assassino norte-americano condenado a morte que pediu insistentemente para ser executado antes do tempo e que seus olhos fossem doados para transplante, já que "o coração não servia para nada"! Mas na época muita gente confundiu o personagem com Gary Gilmour, um famoso jogador de críquete.
  • Apesar de ajudar a atrair público e atenção da mídia, além de contribuir para que outras minas se aventurassem nos palcos, o fato de Gaye Advert ter se tornado uma espécie de musa punk atrapalhou um pouco a banda, sempre vista como o grupo da "baixista sexy". Alguns tablóides chegaram a comentar qu ela era a vocalista mais sexy de Londres. No máximo, ela fazia um ou outro backing volcal. O tom de voz de TV Smith realmente parece feminino, mas nas capas dos discos tinha os créditos... coisas da gloriosa imprensa musical!
  • O engenheiro de som de Crossing the Red Sea... foi John Leckie, o mesmo do aclamado álbum Dark Side of the Moon do Shit Floyd.
  • Gaye Advert foi convidada por Ari Up para ser uma das Slits, mas recusou, pois "preferia ficar em companhia de garotos".
  • No Crossing the Red Sea... original as faixas Gary Gilmore's Eye e New Day Dawning ficaram de fora e só foram incluídas no relançamento em CD.
  • TV Smith seguiu carreira solo e está em atividade (confira o site oficial). Gaye Advert, que mora com ele, aparece eventualmente em shows do companheiro, mas oficialmente retirou-se do mundo da música. Laurie Driver e Rod Latter também não se envolveram mais com música.

3 comentários:

  1. The Hairy Hands5/13/2009

    Eis uma banda "difícil de gostar". Durante um bom tempo torci o nariz para os Adverts. Achava a voz e o jeito de cantar do TV Smith muito esquisitos, parecia cantor de ópera. Mas como era uma banda muito bem conceituada no mundo punk, me forçava a escutá-los colocando umas músicas deles no meio das fitinhas que eu gravava no estilo "de tudo um pouco". Acabei gostando da banda, a tal ponto que, quando estou a fim de ouvir Adverts, estou a fim de ouvir Adverts - ou seja, Adverts é uma banda única, não é apenas "mais uma banda punk". A banda realmente tem algumas músicas sensacionais, como New Church, Bored Teenagers, Great British Mistake.
    Quanto ao Cast of Thousands, não acho o disco ruim, embora também não seja nenhuma maravilha. Mas tem duas músicas que eu adoro: Cast of Thousands e My Place

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  2. O Adverts realmente tem um som super própio. Uma puta banda.
    Quanto ao Cast of Thousands, eu concordo com o The Hairy Hands.

    Abraço

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  3. Caros, infelizmente não consigo gostar do C.O.T. e olha que já tentei! No máximo dá para achá-lo mediano como um disco de rock. O problema talvez seja eu não conseguir ouvi-lo sem pensar no trampo anterior do Adverts. Talvez se o disco fosse lançado com outro nome (da banda, claro) eu dava um desconto! E, como eu disse no post, nem é por não ser um disco punk, um "Crossin' the Red Sea 2" ... pois gosto de muito disco de bandas que começaram punk e depois mudaram (exemplo: Skids).
    Valeu os comentários e saudações anárquicas!

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